quinta-feira, 27 de março de 2014

Los 3 Amigos





EU E DEUS by Noélia Ribeiro

Poesia de Noélia Ribeiro

Eu e Deus 

Se Deus quiser falar
Comigo
Vai me encontrar
Estúpida e
Humanamente
Atrapalhada com meu
Umbigo

Mas se Deus quiser
Somente
Dizer alô
Pode entrar, sentar
E esperar
Que eu já vou



Gutemberg


      Um carimbo padrão
      passeava
      pelas pálidas páginas
      autobiográficas
      da minha besta
      vida.

      Ante ao
      posfácio
      valendo-se da
      prosopopeia
      despertou-se a grunhir:

      _ São em suas digitais,
      caro poeta,
      não em meu
      clicheguevara
      que
      torpes totens
      trivialmente tatuados
      n'uma
      prostituta ruiva &
      nefelibata &
      Barriga de aluguel na Babilônia
      divagarão
      a cerca de
      o que
      uno e indiviso
      és.

sábado, 8 de março de 2014

Meia dúzia de Tercetos meus


Página no Facebook


(Oliver Twist)

Outro furo, mais nada:
presente de Noel Papai
à humilde meia furada.

 (Descarte-se)

 Para Sid Vicious musicar:
 Tenso; Pogo;
 resisto...

 (Química)

 Divinamente F...
 Encontrar o ponto G
 bem na hora H...

 (Patrimônio Flutuante)

 Avoou... bateu asa:
 só por cima do cadáver
 Tartaruga sai de casa.

  (Beija Flor)

 Ala dos alados:
 Quando te beijo, Flor...
 Flor eu voo parado ...

  ( DNA)

 Semente
 Sem ente
 Se mente


Charles Bukowski



O pior e o melhor


nos hospitais e nas cadeias
está o pior
nos hospícios
está o pior
nas coberturas
está o pior
nas leituras de poesia
nos concertos de rock
nos shows beneficentes para os inválidos
está o pior
nos funerais
nos casamentos
está o pior
nas paradas
nos rinques de patinação
nas orgias sexuais
está o pior
à meia-noite
às 3 da manhã
às 5h45 da tarde
está o pior

pelotões de fuzilamento
rasgando o céu
isto é o melhor

pensar na Índia
olhando para as carrocinhas de pipoca
assistindo ao touro pegar o matador
isto é o melhor

lâmpadas encaixotadas
um velho cão se coçando
amendoins em um saquinho
isto é o melhor

jogar inseticida nas baratas
um par de meias limpas
coragem natural vencendo o talento natural
isto é o melhor

de frente para pelotões de fuzilamento
lançar pedaços de pão às gaivotas
fatiar tomates
isto é o melhor
tapetes com marcas de cigarro
fendas nas calçadas
garçonetes que mantém a sanidade
isto é o melhor

minhas mãos mortas
meu coração morto
silêncio
adágio de pedras
o mundo em chamas isto é o melhor
para mim.


Vladimir Kush

Algumas imagens desse gênio: Vladimir Kush





sexta-feira, 7 de março de 2014

Carta de Rimbaud a Paul Demeny

"O poeta se faz vidente por um longo, imenso, e racional desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura, ele procura a si mesmo, ele esgota nele todos os venenos, para guardar apenas a quintessência. Inefável tortura na qual tem necessidade de toda fé, de toda força sobre-humana, onde ele se torna, entre todos, o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito – e o Supremo Sábio! – Pois ele chegou ao Desconhecido."

Imagem: São João Evangelista em Patmos  / Bosch


O subsolo


No fundo do poço,
miseráveis, ao meio,
juntam misérias
de sonhos alheios.

Oswald de Andrade

( Pronominais )

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro.

(ANDRADE, Oswald de. Seleção de textos. São Paulo: Nova Cultural, 1988.)


Imagem: Pobre Esponja




Certos Neurônios


Do primeiro sabor
degustado na vida
o mesmo gosto de
certos astros.

Após adormecemos
- a contragosto/
tamanho cansaço-
perante à leitura
de um bom
livro - escolha pessoal e
intransferível -

podemos, as estrelas,
durante o suave desmaio,
lambê-las.

Quando assim o
gosto de
leite materno reativa
certos
neurônios da
memória do sonho.

Poesia Circense


Homem bala balão
munição
explosão

mil pirralhos no circo
um anão
(criançancião)

Dois pi raio no círculo
do canhão

Pipoca aplauso na mão
redenção
não em vão

Mil pirralhos no circo
Alusão
à ilusão

Dois pi raio no círculo
do leão

Para o acro bata bata palmas
para o palha asso asso bie
e o mági como como pode:
ele tirava
um coelho
ou era eu
que tirava um bode?

O dom e a dor vêm de Deus
Deus vem de domador
Ombros do mundo: os meus
pois sou poeta ator

Por escrever poesia
sou trapezista palhaço
entre o chicote e a magia
do domador do espaço
Será que Deus chicotearia
fosse um João sem braço?

Por escrever poesia
sou bailarino mágico
no picadeiro dos dias
entre o aplauso e o trágico
mas Deus é só alegria
na queda é cama de elástico.

Passamos por isso


Enquanto espalhavas álcool
pela mente, Rousseau, fígado,
Azevedo, desenhos, Machado,
Platão, diário, Pessoa,
biografias de deusas do jazz,
biografias de demônios beats,
eu rezava,
por ti, rezava,
junto de outros românticos
que jamais conhecerei.

Rezávamos, mulher-tocha,
antes mesmo de Quixote
arquitetar a vingança.

Rezávamos do bar,
do manicômio, rezávamos.
Rezávamos da biblioteca,
da montanha, rezávamos.
Rezávamos do subterrâneo,
do leito, rezávamos.
Rezávamos do palco,
da universidade, rezávamos.

Passamos por isso, garota.

O mal das pessoas
cuja carne cresce
em progressão aritmética,
ao passo que, a alma,
em progressão geométrica 
- hora mais, hora menos -,
não suportar-se-á 
nos limites do barro.

A Morte do Leiteiro / Carlos Drummond de Andrade



Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.
Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro.
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto
Com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma pequena mercadoria.
E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro…
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.
Mas este entrou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada.
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.