terça-feira, 15 de janeiro de 2013



Roberto Piva

A PIEDADE

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
   abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
   luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
   aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
   cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
   bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
   estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
   pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
   que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
   pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
   asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
   dos meus sonhos


domingo, 6 de janeiro de 2013

Para Mika

Contraditória a higiene felina:
Fazem sexo em dois chuveiros
e os orifícios lavam à língua.

Intermediados por Narciso


Em cinemas que
astrônomos insistem chamá-los
estrelas
finados assistem aos sonhos
que dormiram neste mundo.

Proprietários de dois bens:
uma lápide e a inércia
que preside os vivos (plagiar
os mortos: via crucis dos que
ainda
respiram),
lhes é permitido, as películas, revê-las
ou escambá-las com
outros defuntos
intermediados por Narciso - pois tudo que
imagina-se
existe no céu.

A menina que acabo de escrever, voa ;
suas mãos de rhythm blues semeiam
o porvir: a chuva - são grãos de muito calor
grãos de um mormaço
insuportável