sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Tercetos


 Colheita Maldita

 Findada a tempestade (haja trovão!)
 o pobre espantalho chora
 sobre os destroços da plantação.



Culpado

Se cupido fosse bom
não dava flechada :
jogava água benta...




Pawel Kuczynski

Augusto dos Anjos Versos Íntimos Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão – esta pantera – Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!
Paulo Ferraz
MOTORISTA-LINHA 478-P Embora não tenha porte — nem precisaria, pois quem o tem? — de autoridade, senta majestoso no seu trono de curvim, forrado às vezes com um capacho de retalhos, sempre segurando o cetro decorado com o escudeto do Corinthians. A senhora palmeirense entra de joelhos. No mar, capitão com Deus se parelha, no ônibus, ele.






terça-feira, 29 de outubro de 2013

Concretismos

                                                                    Abismo



                                                                    Árvore


O despertar dos guarda-chuvas negros

         Escuto a música da rotina:
         ao invés de guitarra, trovão;
         a cama velha, uma buzina,
         conversas distantes, um avião.
 
         Minha respiração no contra-baixo.
 
         Tendo em vista que é eterna
         delimito-lhe o tempo:
         iniciou-se com uma sirene.
 
         A porta range.Garoa.Começo a tossir.
 
         Batizarei-a "O despertar 
         dos guarda-chuvas negros".
 
         Para entendê-la
         mantenho-me pedra:
         palavras e gestos de pedra.
 
         Terminá-la?
         Sim, com estilo.
 
         Minha dúvida espera a polícia,
         mas baterá o martelo
         caso outro avião
         aconteça.
 
 
    

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sete palmos abaixo da terra

Bateste a bota
de tantas léguas;
abotoaste o
paletó;
do pó vieste e
retornaste
ao pó.

Esticaste as canelas;
foste dessa para melhor...
O diabo a lhe chupar os ossos?
Knockin' on heaven's door?

Sete palmos abaixo da terra
é o endereço de quem
mora no céu.

Um dos vizinhos: anjo bobo;
o outro, um verme: lento e cruel.

Sete palmos abaixo da terra
é o endereço de quem
mora no céu.

Aqui jas a letra "Z" -
na sepultura branca do papel.

Níquel Náusea


" A esperança é um Urubu pintado de verde " - Mário Quintana

Imagine



Em um país subdesenvolvido
colonizado por espanhóis
caminha uma mulher

(Imagine)

Uma mulher
sardenta
praticante de esgrima
cujo nome não começa, mas termina, em vogal

(Se imaginaste-a sem sardas, recomece)

Uma mulher sardenta praticante de esgrima
que detesta maçã
poliglota
a carregar quatro sacolas
em uma rua escura
cujo nome não termina, mas começa, em vogal

(Imagine)

A carregar quatro sacolas
sei lá de que cor
cheias de não sei o que
em uma rua escura
sem residências
aonde um cão
lhe arrancará sorrisos

(Recomece, se imaginaste um vira-lata)

O cão
(Imagine)

cultiva o estranho hábito
de mastigar pedras
não tem uma das orelhas
e é marrom

(Como perdeu a orelha?)


Muitas pulgas ele traz.

Patrimônio Flutuante

Avoou, bateu asa:
Só por cima do cadáver
Tartaruga sai de casa.

Concretismos

Árvore

cidadão das nuvens

                                                        Laço / Alço                                                       


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

No balançar dos trilhos


Dentro da prancha do menino eu vou
correr atrás do meu destino
semana atrás um outro despencou
vendia Bis biscoito de polvilho

Dentro da prancha do menino eu vou
no balançar dos trilhos

Dentro da prancha do menino eu vou
ferrorama de quem não tinha
comida só peixe peixinho
caco-de-vidro para o fim da linha

Dentro da prancha do menino eu vou -
se ele ficar a prancha vai sozinha

Lugar reservado a quem arrisca:
é proibido não fumar no vagão da faísca
é proibido surfar mas ele nem liga
tira onda é o rei é o rei da barriga

Fosse o seu filho
tivesse outro pai
ou pelo menos um

que não se embriagasse
para fazer mansão
barraco de favela

Dentro da prancha do menino eu vou
tentar a sorte nessa vida
Para comer melhor, para beber melhor
para comer sem acabar comida

Dentro da prancha do menino eu vou:
entre a fé e a ferida

Dentro da prancha do menino eu vou
com a multidão sem rosto
São Silvas sim Silvas de quem
renomeia a gosto

Dentro da prancha do menino eu vou
comprar Mentex Chokito com troco

Para quando o guarda estiver
silêncio ao invés do Sufflair
lição ao invés do recreio
dentro da mochila: receio

Fosse a sua mãe
sem pai de sustentar
a mulher e os filhos

Que crescem crescerão
a Deus dará só
não se sabe o dia..

Tercetos



(Giz de construção)


Entre o céu e o inferno,
brincam as crianças
de Amarelinha.

( Oliver Twist )

Outro furo, mais nada.
Presente de Noel Papai
à humilde meia furada.

( Descarte-se )

Para Sid Vicious musicar:
Tenso: Pogo;
Resisto.

( Orvalho )

Se o orvalho, simplório orvalho, nasce assim:
da noite pr'o dia ...
Porque o nosso amor, minha flor, não ousaria?

terça-feira, 15 de janeiro de 2013



Roberto Piva

A PIEDADE

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
   abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
   luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
   aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
   cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
   bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
   estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
   pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
   que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
   pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
   asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
   dos meus sonhos


domingo, 6 de janeiro de 2013

Para Mika

Contraditória a higiene felina:
Fazem sexo em dois chuveiros
e os orifícios lavam à língua.

Intermediados por Narciso


Em cinemas que
astrônomos insistem chamá-los
estrelas
finados assistem aos sonhos
que dormiram neste mundo.

Proprietários de dois bens:
uma lápide e a inércia
que preside os vivos (plagiar
os mortos: via crucis dos que
ainda
respiram),
lhes é permitido, as películas, revê-las
ou escambá-las com
outros defuntos
intermediados por Narciso - pois tudo que
imagina-se
existe no céu.

A menina que acabo de escrever, voa ;
suas mãos de rhythm blues semeiam
o porvir: a chuva - são grãos de muito calor
grãos de um mormaço
insuportável